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Controvérsia acerca da aplicação da separação obrigatória em união estável de pessoa acima de 70 anos

No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642, ocorrido em 1º de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu uma decisão que promete impactar significativamente as dinâmicas de herança e propriedade para pessoas com mais de 70 anos. O cerne da questão residia na possibilidade de flexibilizar a aplicação do artigo 1.641, II, do Código Civil, que dispõe acerca do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 (setenta) anos.

O caso sob julgamento envolveu um processo de inventário, em que a disputa pela herança do falecido surgiu entre seus filhos e sua companheira, com a qual ele passou a conviver após os 70 (setenta) anos, em regime de união estável. Ao julgar a demanda, o juiz justificou que seria inconstitucional a norma que impõe o regime de separação de bens à pessoa maior de 70 (setenta) anos e aplicou ao caso o regime supletivo da comunhão parcial de bens, concedendo à companheira o direito de concorrer à herança com os descendentes.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao apreciar o recurso, reformou a decisão e aplicou à união estável o regime de separação obrigatória de bens, excluindo a companheira da sucessão hereditária, quanto aos bens particulares do falecido. Considerou-a apenas como meeira dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, em observância à Súmula 377 do STF.
A companheira, buscando a aplicação das regras da comunhão parcial e embasando-se no argumento de que a impossibilidade de escolha do regime de bens pela pessoa idosa iria de encontro aos princípios da dignidade humana e da igualdade, interpôs Recurso Extraordinário ao STF, ao qual foi atribuída repercussão geral (Tema 1236), devido à relevância social, jurídica e econômica da matéria apreciada.

Fundamentação do STF para flexibilização da proteção legal

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do recurso, sustentou que a imposição do regime de separação de bens seria uma restrição à autonomia da pessoa idosa, ou seja, uma limitação que priva as pessoas, com pleno discernimento e capacidade de praticar atos da vida civil, de definirem o regime de casamento que lhes seja mais adequado.

Sob a ótica do ministro, a regra cria uma discriminação em razão da idade, sem fundamento razoável, em afronta ao artigo 3º, IV, da Constituição Federal, além de impedir que pessoas conscientes, ainda que em idade avançada, possam dispor livremente sobre seu patrimônio.

Em suas conclusões, é possível extrair duas premissas basilares: (i) a separação de bens não é mais obrigatória para maiores de 70 (setenta) anos, havendo possibilidade de escolha de regime de bens, seja no casamento ou união estável, mas desde que feita por escritura pública e (ii) pessoas acima desta idade, casadas ou em união estável, podem fazer a alteração o regime legal de bens, mediante autorização judicial (casamento) ou por manifestação em escritura pública (união estável).

Contudo, em que pese ter admitido uma flexibilização do preceito normativo contido no artigo 1.641, I, do diploma civil, na resolução da ação, o ministro relator negou provimento ao recurso e manteve a decisão do Tribunal de Justiça, justificando seu voto no fato de que não fora documentado expressamente pelos companheiros o desejo de aplicação de regime de bens diverso da separação obrigatória. Nessa seara, ainda que os companheiros convivessem em regime de união estável, restou aplicado o regime de separação obrigatória de bens previsto na legislação civil.

Em que pese ter havido uma mudança no entendimento quanto à possibilidade de escolha do regime de bens pela pessoa idosa, houve uma modulação dos efeitos dessa decisão, para que se aplique apenas a casos futuros e aos processos em curso no Judiciário, que foram suspensos por afetação do Tema 1236. Não há possibilidade de retroatividade.

Diante de tal modificação, é imprescindível destacar que, a partir de agora, aqueles com mais de 70 (setenta) anos têm livre arbítrio para eleger seu regime patrimonial, podendo optar por regime diverso da separação obrigatória, ou, ainda, alterá-lo, desde que a manifestação de vontade seja feita via escritura pública e atenda os procedimentos exigidos para tanto.