Com a modificação, o foro a ser eleito pelas partes deverá guardar alguma relação com elas, seja por questão de domicílio, residência ou local de sua sede, mantendo-se a obrigatoriedade de constar de instrumento escrito e de aludir expressamente a determinado negócio jurídico, ressalvados cenários que envolvam o consumidor, no qual se observará o contexto mais benéfico ao último.
Ato contínuo, houve a inserção de nova disposição, que prevê que o ajuizamento da ação em comarca que não tenha qualquer relação com as partes ou com o contrato será considerada prática abusiva e leva à possibilidade de o juiz definir pela sua impossibilidade de julgar a causa e enviar os autos ao local pertinente para tanto.
A justificativa trazida para alteração se deu pelo entendimento de que a escolha do foro não poderia ser aleatória, sob pena de violar a boa-fé, devendo, em verdade, a cláusula de eleição de foro ser usada com lealdade processual, como também para conter inúmeras ações em comarcas e tribunais que não guardem qualquer relação com as partes contratantes¹.
Embora o Código de Processo Civil autorize a eleição de foro, tal escolha não pode ser aleatória e abusiva, sob pena de violação da boa-fé objetiva, cláusula geral que orienta toda a sistemática jurídica (…).
Portanto, a cláusula de eleição de foro deve ser usada com lealdade processual. Ocorre, contudo, que essa não tem sido a realidade prática (…).
Ora, o foro de eleição não pode ser utilizado deliberadamente, ao bel-prazer das partes, sob pena de se transmutar em abusividade. Em que pese o Código Civil estabelecer, como regra, a autonomia privada e a liberdade de contratar, a escolha aleatória e injustificada de foro pode resultar em prejuízo à sociedade daquela área territorial, sobrecarregando tribunais que não guardam qualquer pertinência com o caso em deslinde.
(…)
Nesse contexto, exsurge o presente Projeto de Lei com o propósito de provocar este Poder Legislativo a acrescer ao Código de Processo Civil limites à cláusula de eleição de foro, com vistas a coibir a prática abusiva desse direito, buscando sempre resguardar a pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação, sob pena de se tornar um mero instrumento para escolha dos tribunais que apresentam melhor desempenho no País e, consequentemente, em detrimento da jurisdição em que atuam.
A partir desta mudança legislativa, algumas conclusões e problemas são perceptíveis.
A primeira conclusão que se pode tomar é a de que não houve proibição quanto à possibilidade para as partes elegerem o foro competente para discutir o objeto do contrato. De igual modo, observa-se a limitação imediata da liberdade das partes em pactuar, especialmente, em questões de direito processual e moldar o procedimento através de um negócio jurídico processual.
Ademais, pode-se concluir por uma regionalização das demandas, ficando restritas às áreas em que as partes estão localizadas, impedindo, assim, a escolha por varas especializadas, se o caso. Também, a alteração seria a confirmação da tendência da jurisprudência brasileira em abrandar a interpretação do artigo 63 do Código de Processo Civil e da Súmula n. 335 do Supremo Tribunal Federal e tratar, de maneira equânime, contextos de abusividade.
Porém, como elencado, existem problemáticas a serem consideradas. Primeiramente, é importante destacar que tal alteração fere o postulado fundamental da Lei de Liberdade Econômica (Lei n. 13874/2019), já que, em seu artigo 3º, VIII, há a defesa de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes.
Ato contínuo, a alteração poderá trazer empecilhos do acesso a justiça, nos termos do artigo 4º do Código de Processo Civil, de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, com a limitação de acesso a jurisdições especializadas. E mais, poderá trazer empecilhos econômicos e comerciais, com a regionalização da demanda e impedimento no acesso a varas especializadas.
Por fim, há certa nebulosidade sobre a aplicação imediata da mudança, já que, se considerada norma de direito processual, a alteração não poderia atingir os contratos celebrados anteriormente a sua vigência, por força do artigo 14 do Código de Processo Civil, que preconiza que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Adiciona-se, ainda, a possível violação da liberdade contratual que seria atingida, bem como a necessidade de revisão contratual de inúmeros negócios para a aplicação da nova norma ou não ao caso, afetando, intrinsicamente, a celebração de negócios.
O tema é recente e demanda a análise pertinente do cotidiano judicial sobre a aplicação da alteração nos processos em vigência. Inclusive, a alteração já tem sido utilizada para o julgamento de ações em curso para certificação da (in)validade da cláusula de eleição de foro:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. ELEIÇÃO DE FORO. Decisão que rejeitou a preliminar de incompetência territorial, com fundamento nas normas de proteção ao consumidor, afastando o foro de eleição. Pretensão de reforma. CABIMENTO: Inaplicabilidade das normas de proteção do consumidor. Operação que tem o objetivo de aumentar a atividade negocial da empresa, o que lhe retira a qualidade de destinatária final. Validade da cláusula de eleição de foro – Art. 63, caput e § 1º do CPC. Foro de eleição que coincide com o domicílio do agravante e com o local do cumprimento da obrigação, requisitos adicionados pela Lei 14.879/2024. Aplicação da Súmula 335 do STF. Incompetência territorial reconhecida. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 20939101320248260000 Guarulhos, Relator: Israel Góes dos Anjos, Data de Julgamento: 21/06/2024, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2024)
Sendo controversa a alteração, há que se destacar que a causalidade será de suma relevância para observar a extensão dos efeitos da limitação da liberdade das partes para a eleição do foro competente para julgar controvérsias do contrato que celebraram.
Diante da penumbra que ainda atinge o tema, a Equipe Cível está a postos para avaliação de seus contratos para mensurar os riscos oriundos da cláusula de eleição de foro.
Autores:
Matheus Lucio Pires Fernandes
[email protected]
Artur Feresin Perrotti
[email protected]
Mauricio Dellova de Campos
[email protected]
[1] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2257620&filename=Tramitacao-PL%201803/2023. Acesso em 27 de junho de 2024, às 17h30min.
Na última quarta-feira (12/06), o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu os critérios para que as empresas recolham as contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores pagos aos empregados a título do terço constitucional de férias. Em análise de Embargos de Declaração, a corte modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida e definiu que as contribuições incidem sobre a rubrica a partir de 15 de novembro de 2020.
Há muitos anos se discute no judiciário a tese sobre a incidência ou não das contribuições previdenciárias sobre o pagamento aos empregados do terço constitucional de férias. Diante dos inúmeros casos versando sobre a mesma demanda, o judiciário resolveu unificar e pacificar o tema, estabelecendo padrão definitivo para a controvérsia.
Chegada a discussão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2014, a corte, ao analisar a temática, entendeu por ser ilegítima a cobrança das contribuições sociais pelos valores pagos a título do terço constitucional, considerando ser a rubrica típica verba indenizatória. Como o STJ se trata de um órgão extraordinário da Justiça e considerando que a decisão foi proferida em caráter vinculante (aplicada a todos), muitas empresas, com base na decisão, deixaram de recolher as contribuições, fizeram compensações administrativas de valores já recolhidos ou ajuizaram ação para reaver o crédito/ter direito de não efetuar o recolhimento.
Entretanto, a decisão do STJ foi objeto de recurso por parte da União, que levou o debate para análise do STF. Em 2020, o Supremo analisou o mérito do processo e, em sentido totalmente contrário ao que havia decidido o STJ, entendeu por serem devidas as contribuições previdenciárias pela empresa incidentes sobre a rubrica do pagamento de terço constitucional das férias.