O mercado imobiliário brasileiro é um dos pilares da economia nacional, impulsionado pelo crescimento urbano e pela valorização patrimonial dos imóveis. Entretanto, o setor enfrenta desafios significativos, dentre os quais se destaca o atraso na entrega das unidades prometidas ao consumidor. Incorporadoras e construtoras, embora tecnicamente preparadas para lidar com a execução de obras, muitas vezes não estão suficientemente assessoradas para se precaver dos riscos jurídicos decorrentes do descumprimento contratual.
A Lei nº 4.591/1964 regulamenta o contrato de incorporação imobiliária, disciplinando as obrigações do incorporador e a forma de lançamento de unidades em construção. Em geral, o contrato firmado com o consumidor estabelece o prazo de entrega e as condições de financiamento da obra, criando uma legítima expectativa de recebimento do imóvel dentro dos prazos estipulados
O atraso na entrega de imóveis é uma das causas mais recorrentes de litígios judiciais envolvendo incorporadoras e construtoras. Apesar dos esforços para cumprimento de cronogramas, a complexidade das obras, a dependência de fatores externos e a burocracia administrativa tornam esse tipo de inadimplemento uma realidade possível.
Nesse cenário, é fundamental que as empresas do setor estejam não apenas conscientes dos riscos jurídicos envolvidos, mas também munidas de instrumentos contratuais e estratégias preventivas que minimizem a exposição a ações judiciais, especialmente por lucros cessantes, danos morais e responsabilidade solidária.
Assim, é de suma importância que as incorporadoras e construtoras tenham uma visão prática e estratégica visando estruturar suas operações com maior segurança jurídica frente à possibilidade de atrasos na entrega das unidades imobiliárias.
Cláusula de tolerância
Um dos instrumentos jurídicos amplamente utilizado no setor é a inclusão no contrato da chamada cláusula de tolerância, prevendo um prazo adicional de 180 dias para a conclusão da obra e entrega do imóvel, sem que isso configure inadimplemento contratual.
Embora a jurisprudência aceite a validade dessa cláusula, ela não é absoluta, uma vez que é imprescindível que a cláusula de tolerância: (i) esteja redigida de forma clara e destacada; (ii) seja baseada em justificativas razoáveis; e (iii) tenha início de contagem objetivo, como, por exemplo, a data do contrato, obtenção do habite-se etc.
Ainda assim, se o prazo de tolerância for ultrapassado, a incorporadora poderá ser responsabilizada. É prudente incluir nos contratos critérios claros sobre a entrega e prever os eventos de força maior que eventualmente justifiquem novos prazos.
A depender da forma como a cláusula é redigida, ela pode ser considerada abusiva e, portanto, nula, conforme previsto no artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Nesse ponto, destaque-se que o STJ – Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento que, se for ultrapassado o prazo contratual de entrega, incluindo a tolerância, será devida indenização por lucros cessantes ao comprador, independentemente da comprovação de prejuízo efetivo.
Essa indenização geralmente corresponde ao valor estimado de aluguel do imóvel não entregue, calculado entre o fim do prazo de entrega e a efetiva disponibilização do bem. A jurisprudência, inclusive, presume que o comprador teria alugado o imóvel ou deixado de usufruí-lo, o que gera obrigações indenizatórias que se acumulam mês a mês.
Para evitar ou reduzir esse tipo de passivo, recomenda-se inserir cláusulas objetivas de responsabilidade, estipulando indenizações previamente fixadas, limitadas e razoáveis, bem como comunicar o cliente de forma ativa sobre o andamento da obra e as razões dos atrasos.
A possível condenação em danos morais e seus efeitos reputacionais
Questão que ainda divide os Tribunais diz respeito à condenação por danos morais em razão de atraso na entrega de imóveis. Em regra, exige-se demonstração de prejuízo além do aborrecimento comum. Entretanto, há decisões que reconhecem dano moral quando o atraso é excessivo, causa frustração significativa ou ocorre sem qualquer suporte informativo por parte da incorporadora.
Além da condenação financeira, esse tipo de ação gera desgaste à imagem da empresa, especialmente em tempos de redes sociais e plataformas de reclamação online. Isso pode comprometer futuras vendas e a reputação institucional da marca.
Por tal motivo, a gestão do relacionamento com o cliente durante o período de obras é tão importante quanto o cumprimento das obrigações legais. A proatividade em informar e atender o comprador/consumidor, ainda que a entrega do esteja atrasada, pode evitar demandas judiciais.
Responsabilidade solidária entre Incorporadora e Construtora
Muitos empreendimentos são realizados por meio de parcerias entre incorporadoras e construtoras. Na prática, contudo, o Judiciário tende a responsabilizar ambas solidariamente, uma vez que o consumidor não tem obrigação de entender a divisão de tarefas entre as empresas envolvidas.
A solidariedade implica que ambas as empresas podem ser cobradas integralmente, ainda que, internamente, apenas uma tenha contribuído para o inadimplemento.
Como estratégia preventiva, recomenda-se formalizar contratos entre incorporadora e construtora com cláusulas de regresso claras, especificando a responsabilidade de cada parte em contrato e nos documentos do empreendimento, bem como atualizar os registros da matrícula do imóvel para refletir a estrutura da incorporação.