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Atraso na Entrega de Imóveis
14/08/2025



Saiba como cláusulas contratuais bem estruturadas e assessoria jurídica preventiva podem reduzir riscos de litígios para construtoras e incorporadoras.
O mercado imobiliário brasileiro é um dos pilares da economia nacional, impulsionado pelo crescimento urbano e pela valorização patrimonial dos imóveis. Entretanto, o setor enfrenta desafios significativos, dentre os quais se destaca o atraso na entrega das unidades prometidas ao consumidor. Incorporadoras e construtoras, embora tecnicamente preparadas para lidar com a execução de obras, muitas vezes não estão suficientemente assessoradas para se precaver dos riscos jurídicos decorrentes do descumprimento contratual.
A Lei nº 4.591/1964 regulamenta o contrato de incorporação imobiliária, disciplinando as obrigações do incorporador e a forma de lançamento de unidades em construção. Em geral, o contrato firmado com o consumidor estabelece o prazo de entrega e as condições de financiamento da obra, criando uma legítima expectativa de recebimento do imóvel dentro dos prazos estipulados
O atraso na entrega de imóveis é uma das causas mais recorrentes de litígios judiciais envolvendo incorporadoras e construtoras. Apesar dos esforços para cumprimento de cronogramas, a complexidade das obras, a dependência de fatores externos e a burocracia administrativa tornam esse tipo de inadimplemento uma realidade possível.
Nesse cenário, é fundamental que as empresas do setor estejam não apenas conscientes dos riscos jurídicos envolvidos, mas também munidas de instrumentos contratuais e estratégias preventivas que minimizem a exposição a ações judiciais, especialmente por lucros cessantes, danos morais e responsabilidade solidária.
Assim, é de suma importância que as incorporadoras e construtoras tenham uma visão prática e estratégica visando estruturar suas operações com maior segurança jurídica frente à possibilidade de atrasos na entrega das unidades imobiliárias.
Um dos instrumentos jurídicos amplamente utilizado no setor é a inclusão no contrato da chamada cláusula de tolerância, prevendo um prazo adicional de 180 dias para a conclusão da obra e entrega do imóvel, sem que isso configure inadimplemento contratual.
Embora a jurisprudência aceite a validade dessa cláusula, ela não é absoluta, uma vez que é imprescindível que a cláusula de tolerância: (i) esteja redigida de forma clara e destacada; (ii) seja baseada em justificativas razoáveis; e (iii) tenha início de contagem objetivo, como, por exemplo, a data do contrato, obtenção do habite-se etc.
Ainda assim, se o prazo de tolerância for ultrapassado, a incorporadora poderá ser responsabilizada. É prudente incluir nos contratos critérios claros sobre a entrega e prever os eventos de força maior que eventualmente justifiquem novos prazos.
A depender da forma como a cláusula é redigida, ela pode ser considerada abusiva e, portanto, nula, conforme previsto no artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Nesse ponto, destaque-se que o STJ – Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento que, se for ultrapassado o prazo contratual de entrega, incluindo a tolerância, será devida indenização por lucros cessantes ao comprador, independentemente da comprovação de prejuízo efetivo.
Essa indenização geralmente corresponde ao valor estimado de aluguel do imóvel não entregue, calculado entre o fim do prazo de entrega e a efetiva disponibilização do bem. A jurisprudência, inclusive, presume que o comprador teria alugado o imóvel ou deixado de usufruí-lo, o que gera obrigações indenizatórias que se acumulam mês a mês.
Para evitar ou reduzir esse tipo de passivo, recomenda-se inserir cláusulas objetivas de responsabilidade, estipulando indenizações previamente fixadas, limitadas e razoáveis, bem como comunicar o cliente de forma ativa sobre o andamento da obra e as razões dos atrasos.
Questão que ainda divide os Tribunais diz respeito à condenação por danos morais em razão de atraso na entrega de imóveis. Em regra, exige-se demonstração de prejuízo além do aborrecimento comum. Entretanto, há decisões que reconhecem dano moral quando o atraso é excessivo, causa frustração significativa ou ocorre sem qualquer suporte informativo por parte da incorporadora.
Além da condenação financeira, esse tipo de ação gera desgaste à imagem da empresa, especialmente em tempos de redes sociais e plataformas de reclamação online. Isso pode comprometer futuras vendas e a reputação institucional da marca.
Por tal motivo, a gestão do relacionamento com o cliente durante o período de obras é tão importante quanto o cumprimento das obrigações legais. A proatividade em informar e atender o comprador/consumidor, ainda que a entrega do esteja atrasada, pode evitar demandas judiciais.
Muitos empreendimentos são realizados por meio de parcerias entre incorporadoras e construtoras. Na prática, contudo, o Judiciário tende a responsabilizar ambas solidariamente, uma vez que o consumidor não tem obrigação de entender a divisão de tarefas entre as empresas envolvidas.
A solidariedade implica que ambas as empresas podem ser cobradas integralmente, ainda que, internamente, apenas uma tenha contribuído para o inadimplemento.
Como estratégia preventiva, recomenda-se formalizar contratos entre incorporadora e construtora com cláusulas de regresso claras, especificando a responsabilidade de cada parte em contrato e nos documentos do empreendimento, bem como atualizar os registros da matrícula do imóvel para refletir a estrutura da incorporação.
O entendimento majoritário dos Tribunais brasileiros tem se firmado no sentido de proteger o consumidor, mas com sinalizações importantes para incorporadoras que atuam com boa-fé e transparência.
Nesse sentido, podemos citar alguns pontos que devem total atenção das empresas:
(i) Validade da cláusula de tolerância, desde que com prazo razoável (180 dias) e justificação contratual;
(ii) Reconhecimento automático de lucros cessantes após esse prazo;
(iii) Possibilidade de danos morais, principalmente em atrasos superiores a 12 meses;
(iv) Nulidade de cláusulas que preveem multa apenas para o comprador.
Destaque-se, ainda, que nos anos de 2023 e 2024, diversos Tribunais de Justiça estaduais reforçaram a necessidade de equilíbrio contratual e boa-fé objetiva. Com isso, incorporadoras e construtoras que demonstram planejamento, comunicação clara e estrutura jurídica sólida têm obtido decisões favoráveis.
Diante da frequência com que os atrasos se tornam demandas judiciais, o papel da assessoria jurídica deixou de ser reativo. É essencial que construtoras e incorporadoras contem com suporte jurídico especializado desde a estruturação do empreendimento até a entrega das unidades.
Com assessoria jurídica atuante no setor, as empresas podem dispor de contratos cuidadosamente redigidos para cada caso, contendo cláusulas equilibradas, lícitas e defensáveis.
Ainda, o Jurídico dará suporte para avaliar riscos contratuais e apontar soluções preventivas, bem como monitorar as decisões mais recentes dos tribunais, atualizando modelos de contratos conforme decisões mais relevantes. O acompanhamento contínuo da jurisprudência é essencial para a atualização de modelos contratuais e para a adoção de medidas de gestão jurídica dos empreendimentos.
É indiscutível que empresas que investem em assessoria jurídica preventiva enfrentam menos demandas, têm maior previsibilidade financeira e transmitem mais segurança ao mercado e aos investidores, além de reduzir custos.
A assessoria jurídica deve estar presente desde a fase de concepção do empreendimento, passando pelo lançamento, construção e entrega, assegurando a conformidade com a legislação, a jurisprudência e as práticas de mercado.
Esse acompanhamento reduz não apenas a judicialização, mas também os riscos reputacionais, melhorando a relação com o consumidor e a percepção do mercado quanto à confiabilidade da marca.
O atraso na entrega de imóveis é um risco que pode ser administrado com inteligência e técnica jurídica, planejamento, gestão estratégica e transparência. Incorporadoras e construtoras que atuam com boa-fé, adotam cláusulas contratuais equilibradas e mantêm comunicação clara com seus clientes conseguem mitigar significativamente a judicialização.
Mais do que evitar condenações, uma boa assessoria jurídica contribui para a reputação da empresa, a solidez dos negócios, a confiança e a consolidação de sua imagem no mercado. Em um setor altamente regulado e sensível à percepção do público, estar juridicamente bem amparado não é apenas uma vantagem competitiva, é uma necessidade estratégica.
Antonio Tomasillo
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