Nos últimos meses, os produtores rurais têm enfrentado grande dificuldade decorrente das irregularidades nas chuvas em todos os Estados, que resultaram na quebra da safra e o recuo na produção de grãos. Conforme notícia publicada pelo Estadão, os Estados preveem um elevado recuo na colheita: 7,41% em Mato Grosso; 17% em Mato Grosso do Sul; 20% no Rio Grande do Sul; 10% na Bahia. Além disso, em Goiás estima-se a quebra de 15%, e São Paulo manteve a previsão de 1 milhão de toneladas abaixo do ciclo anterior.[1].

Essa redução no resultado das colheitas tem dificultado o cumprimento das obrigações decorrentes da Cédula de Produto Rural (CPR), pois essa impõe ao produtor rural que entregue determinada quantidade do produto da colheita (CPR com liquidação física) ou quantia equivalente a determinada quantidade do produto da colheita (CPR com liquidação financeira).

Diante desse cenário, os produtores rurais têm buscado meios de reorganização financeira, dentre esses a recuperação judicial, para manter a sua atividade. Segundo o Instituto Serasa Experian, foram 80 pedidos entre janeiro e setembro de 2023, o que representa um aumento de 300% em comparação com todo o ano de 2022. Os Estados do Mato Grosso e Goiás lideraram o registro de pedidos de recuperação judicial em 2023, com 26 e 25 pedidos respectivamente[2].

A CPR na recuperação judicial

O artigo 11 da Lei nº 8.929/1994 excluiu a CPR com liquidação física do processo de recuperação judicial. Todavia, isso não significa a absoluta exclusão da recuperação judicial, pois para que isso ocorra é necessário estarem presentes todos os requisitos elencados pela lei.

O primeiro deles é o comprador ter antecipado o valor ou a entrega dos insumos equivalente ao produto rural que lhe será entregue:

Exemplo: Guilherme emite uma CPR com liquidação física, prometendo entregar 10 sacas de milho dentro de 1 ano para Marcia. Na emissão do título, Marcia pode ou não antecipar parte ou a totalidade do preço combinado pelas sacas. Caso ela antecipe parte ou o todo, o crédito de Marcia será excluído da recuperação judicial, na extensão do valor antecipado.

O segundo requisito é que o produtor rural ainda tenha condições produzir e entregar o produto rural, conforme o mesmo artigo 11 da Lei nº 8.929/1994 – “salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto”. Assim, caso o produtor rural não possa produzir e entregar o produto, o comprador terá o direito de receber o equivalente em dinheiro, mas esse crédito será submetido ao processo de recuperação judicial.

Assim, percebe-se que existem critérios cruciais para que o crédito proveniente da CPR, com liquidação física, seja excluído do processo de recuperação judicial. Nesse contexto, a recuperação judicial se torna uma ferramenta estratégica para reestruturar essa dívida, especialmente quando os requisitos legais não são plenamente atendidos. É de suma importância que o Produtor Rural realize uma análise minuciosa ao diagnosticar a situação enfrentada, pois isso pode representar uma oportunidade significativa de repactuação e revitalização financeira.

A CPR na recuperação extrajudicial

O artigo 161, §1º, da Lei 11.101/2005 prevê que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação extrajudicial poderão ser submetidos ao processo, exceto: I-) os créditos de natureza tributária; II-) os créditos decorrentes de adiantamento a contrato de câmbio; III-) credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio; V-) os créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho, salvo negociação coletiva com o respectivo sindicato. Por seu turno, a Lei nº 8.929/1994 também não possui previsão excluindo o crédito oriundo da CPR com liquidação física.

Dessa forma, a Cédula de Produto Rural (CPR) pode ser integrada de maneira estratégica à recuperação extrajudicial do Produtor Rural. Ao não se enquadrar em algumas das restrições mencionadas anteriormente, o Produtor Rural abre caminho para desfrutar de uma série de vantagens neste processo. Isso inclui a oportunidade de construir uma solução de mercado personalizada em colaboração com seus parceiros comerciais, assegurando a continuidade e a viabilidade de sua atividade empresarial. Além disso, essa abordagem resulta em um menor desgaste no mercado, garantindo a preservação do patrimônio essencial à atividade do produtor, sem correr qualquer risco de falência.

Atenção no diagnóstico

Diante do exposto, é possível a reestruturação da dívida oriunda da CPR por meio da recuperação judicial e da extrajudicial. Ela ocorrerá na recuperação judicial quando não preenchidos os requisitos legais, detalhes que demandam uma atenção do Produtor Rural, pois significará uma grande oportunidade de reestruturação. Por seu turno, a dívida da CPR poderá ser reestruturada na recuperação extrajudicial, desde que a garantia não seja qualquer uma das elencadas pelo artigo 49, §3º, da Lei 11.101/2005.

Para aproveitar ao máximo essas oportunidades, é crucial contar com uma equipe altamente especializada e atenta aos detalhes. A recuperação judicial e extrajudicial se destacam como instrumentos excepcionais, e representam poderosas ferramentas para transformar e fortalecer sua atividade empresarial, proporcionando uma oportunidade única para redefinir o cenário financeiro e revitalizar a atividade rural, especialmente no que diz respeito à renegociação de dívidas.

Entretanto, é crucial reconhecer as nuances legais envolvidas nesse processo desafiador. Tanto a Lei nº 11.101/2005, que trata de recuperação judicial, extrajudicial e falências, como a Lei nº 8.929/1994, que regulamenta as CPRs, estabelecem particularidades no tratamento da Cédula de Produto Rural nos processos de recuperação judicial e extrajudicial. A seguir, abordaremos essas particularidades para fornecer uma visão clara e orientadora aos produtores rurais diante desses desafios legais.


[1]ESTADÃO. Setor produtivo estima produção de 141 milhões de toneladas em 2023/24. Disponível em: <https://summitagro.estadao.com.br/noticias-cat/setor-produtivo-estima-producao-de-141-milhoes-de-toneladas-em-2023-24/>. Acesso em: 26 de fev. de 2024.

[2]SERASA EXPERIAN. Produtores rurais que atuam como pessoas físicas acumularam 80 pedidos de recuperação judicial até o 3º trimestre de 2023, mostra Serasa Experian. Disponível em: <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/agronegocios/produtores-rurais-que-atuam-como-pessoas-fisicas-acumularam-80-pedidos-de-recuperacao-judicial-ate-o-3o-trimestre-de-2023-mostra-serasa-experian/>. Acesso em: 26 de fev. de 2024.

 

Autores:

Márcia Ferreira Ventosa
[email protected]

Thaís Vilela Oliveira Santos
[email protected]

Arthur Santos Gonçalves
[email protected]

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