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Validade de Contratos Digitais e a Proposta de Reforma do Código Civil
18/12/2024

Como os contratos firmados em meio eletrônico são tratados juridicamente, a comprovação de autenticidade e as inovações trazidas pelo anteprojeto do código civil são os desafios impostos para regulamentar essa forma de negociar entre os envolvidos.
Você sabia que mensagens trocadas pelo WhatsApp podem constituir um contrato juridicamente válido? No mundo digital, os negócios acontecem a qualquer hora e em qualquer lugar. E-mails, mensagens instantâneas e plataformas online são cada vez mais utilizados para fechar acordos. No entanto, como garantir a validade e a segurança desses contratos? A assinatura de um simples “ok” pode ter implicações jurídicas importantes – assim, este artigo aborda as principais questões relacionadas à validade de contratos digitais e as inovações trazidas pelo Anteprojeto do Código Civil (ACC).
Contratos digitais são aqueles firmados em ambiente eletrônico, como e-mails, aplicativos de mensagens e plataformas online. Estes contratos são juridicamente válidos, desde que respeitem os requisitos legais e tradicionais dos contratos: capacidade das partes, objeto lícito, possível e determinado, e manifestação livre de vontade.
O anteprojeto de reforma do Código Civil, proposto pela comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, prevê que o contrato por meio digital é formalizado “(…) por manifestação expressa por cliques, seleção de opções em interfaces digitais, assinaturas eletrônicas, ou outros meios que demonstrem claramente a concordância com os termos propostos“. Esse entendimento é reforçado pela regra de informalidade e ausência de solenidade dos contratos digitais, conforme disposto no artigo 107 do Código Civil.
Os contratos digitais têm a vantagem de serem rápidos e acessíveis, mas exigem cuidados adicionais para garantir sua autenticidade e segurança.
A informalidade dos contratos digitais não compromete sua validade. Eles podem ser formalizados por cliques, seleção de opções em interfaces digitais, assinaturas eletrônicas ou qualquer outro meio que demonstre a concordância das partes – e até mesmo símbolos despretensiosos podem caracterizar manifestação de vontade. Um exemplo marcante foi a decisão de um tribunal canadense que considerou válido um contrato firmado por meio de um emoji de “joinha” enviado em um aplicativo de mensagens, condenando a parte ao pagamento do valor de 82 mil dólares canadenses.
No caso em questão, a parte alegou em sua defesa que o contrato não foi celebrado em decorrência de falta de assinatura, em contrapartida, o juiz entendeu que o emoji seria um meio não tradicional de “assinar” um documento, que diante das circunstâncias, essa foi uma forma válida de transmitir os dois propósitos de uma assinatura, quais sejam, a identificação do signatário e a transmissão de aceitação do contrato. Esse caso reforça que até gestos simples podem ter implicações legais significativas.
No entanto, a validade não garante a força executiva do contrato. Contratos firmados via WhatsApp, por exemplo, podem ser usados como prova em juízo, mas não possuem a força suficiente para execução direta – logo, dependeria de uma fase processual que levasse ao reconhecimento, pelo judiciário, da validade do pactuado.
Além do mais, é necessário garantia a autenticidade e integralidade das mensagens, uma vez que capturas de tela podem ser manipuladas, tornando essencial o uso de métodos que atestem a veracidade das mensagens, como a ata notarial, instrumento que atesta a existência e o conteúdo das mensagens no dispositivo ou apresentação do dispositivo para conferência das mensagens diretamente pelo oficial de justiça ou perícia técnica para verificar sua origem e autenticidade.
O anteprojeto do Código Civil propõe a regulamentação dos contratos digitais, reconhecendo-os como equivalentes aos contratos tradicionais. Ele define contrato digital como qualquer acordo de vontades celebrado em ambiente eletrônico, abrangendo e-mails, aplicativos de mensagens e redes sociais.
Entre os princípios aplicáveis destacam-se: a imaterialidade, que reconhece a natureza eletrônica do contrato; equivalência funcional, garante que contratos digitais tenham a mesma validade que os contratos escritos; manifestação expressa de vontade: por cliques, seleções ou assinaturas eletrônicas.
O anteprojeto também aborda os contratos inteligentes (smart contracts), executados automaticamente por meio de códigos. Esses contratos funcionam com base em instruções como “se/quando, então”, armazenadas em blockchain. Para assegurar a segurança desses instrumentos, o ACC impõe ao fornecedor que utiliza contratos inteligentes ou, na sua ausência, à pessoa cujo comércio, negócio ou profissão envolva a sua implementação para terceiros, no contexto da execução de um acordo ou parte dele e ao disponibilizar dados, a obrigação de garantir que tais contratos cumpram os seguintes requisitos:
I – Robustez e controle de acesso, para prevenção de erros funcionais e manipulações;
II – Término seguro e interrupção, para garantir que exista um mecanismo para interromper ou encerrar a execução contínua de transações, especialmente para evitar execuções acidentais;
III – Auditabilidade, com arquivamento de dados e continuidade, para garantir o registro das operações realizadas ara análises futuras.
Tais medidas promovem maior segurança jurídica, confiança e funcionalidade aos contratos digitais.
Por fim, o ACC finaliza o tema dispondo que “o contrato celebrado por aplicativo digital é válido e eficaz, se atendidos os requisitos legais previstos neste Código”.
Contudo, o parágrafo único deste dispositivo baliza que “entende-se por aplicativo digital qualquer plataforma, software ou sistema eletrônico que permita a celebração, gestão e execução de contratos que tenham por objeto a intermediação do uso, gozo e fruição de coisa não fungível ou imaterial”.
Assim, conclui-se que para se assegurar a efetiva regularidade e validade dos instrumentos particulares firmados em meio digital, não basta a mera assinatura ou aceite, sendo altamente recomendável, senão necessário, a utilização de plataformas ou softwares que atestem a autenticidade das partes, que devem fornecer documentos pessoais e selfies diretamente nas plataformas/softwares.
Para garantir a validade e a segurança de seus contratos digitais, deve sempre se considerar a utilização de sistemas confiáveis, tais como plataformas seguras que autentiquem as partes e preservem o conteúdo e que utilizem a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
Ademais, recomenda-se sempre que se recorra a uma consultoria jurídica para revisar clausulas e evitar riscos, além de realizar um treinamento interno de forma a capacitar sua equipe para lidar com ferramentas de assinatura e gestão digital.
Os contratos digitais representam uma evolução indispensável no mundo dos negócios. Com as inovações tecnológicas e a regulamentação proposta pelo ACC, as empresas podem operar com mais segurança e modernidade. No entanto, é crucial adotar práticas que assegurem a validade e a proteção desses instrumentos jurídicos.
Nossa equipe cível do CCHDC Advogados está à disposição para fornecer mais informações sobre o tema ou atender às eventuais necessidades.
Autores:
Ana Paula Felipe
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Artur Perrotti
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Mauricio Dellova de Campos
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