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Transferência do potencial construtivo e a possibilidade de ganhos pelos proprietários de imóveis
24/10/2024

O Estatuto da Cidades, instituído pela Lei nº 10.257/2001, prevê diversas formas de intervenção urbana pelo Poder Público.
Referido Estatuto veio possibilitar que o Estado, através de mecanismos de Direito Urbanístico, possa efetivar a construção social do espaço urbano através de gestão política da infraestrutura das cidades.
Nesse sentido o Poder Estatal pode, através de intervenções urbanísticas, fomentar a produção social das cidades, considerando-se, especialmente, o interesse coletivo. Dessa forma, há que se considerar que a propriedade privada não está isolada dentro do território coletivo, mas sim é parte integrante dele, sofrendo toda sorte de consequências, positivas ou não, decorrentes do trabalho de diversas pessoas, tanto no passado quanto no presente.
Assim, as intervenções estatais devem, em respeito à atividade urbanística, não só fomentar o incremento privado na atribuição de produções sociais visando o bem comum, mas também a produção de infraestrutura produzindo o bem-estar e transformando as estruturas sociais.
Dessa forma, é inegável que instrumentos de parcerias com a iniciativa privada representam um importante papel para atingimento desses objetivos estatais.
Nesse sentido, o Estatuto das Cidades prevê em seu artigo 35[1] uma das possibilidades dos municípios de utilização de determinados imóveis necessários para os fins descritos nos incisos I, II e III, do artigo 35, do Estatuto das Cidades, serem utilizados ou doados ao município em troca de transferência de seu potencial construtivo para utilização, pelo cedente, em outro imóvel.
Trata-se do instituto da Transferência do Potencial Construtivo. Por esta modalidade, Lei Municipal poderá facultar ao proprietário de determinado imóvel incluso em umas das finalidades previstas nos incisos I, II, e III, do artigo 35, do Estatuto das Cidades, que o imóvel tenha a destinação pretendida pelo município. Em contrapartida, o município transfere o potencial construtivo de tal imóvel, para que seu proprietário o utilize em outro imóvel, ou mesmo venda tal potencial construtivo a terceiros. Se o proprietário doar referido imóvel ao município, o cálculo do potencial construtivo a ser transferido será maior, considerando o Coeficiente de Aproveitamento Máximo. Se não doar o imóvel ao município, além de ter que comprovar a conservação do imóvel, o cálculo da transferência do direito de construir será menor, considerando apenas o Coeficiente de Aproveitamento Básico.
Um dos exemplos de utilização da Transferência do Direito de Construir se deu no município de São Paulo, através do chamado “Caso do Parque Augusta”, em que duas construtoras eram proprietárias de referida área e pretendiam implantar ali a construção de empreendimentos de uso misto.
Através de acordo entre a Prefeitura Municipal, Sociedade Civil, Ministério Público, as proprietárias doaram o imóvel à Prefeitura, obrigando-se a implantar o parque e conservá-lo pelo período de dois anos e, em contrapartida a Prefeitura concedeu às proprietárias Declarações de Potencial Construtivo para utilização em outra área.
Esse foi um exemplo clássico em que o Estado, através de instrumentos possibilitados pela Legislação Urbanística, pôde interferir em determinada área privada, buscando a preservação de patrimônio ambiental e cultural, e possibilitando o uso o imóvel como função social.
Porém, também demonstra como o proprietário de área privada, em especial construtoras e incorporadoras, podem se beneficiar dos dispositivos legais, pois logram ter enorme vantagem com a Transferência de Potencial Construtivo para outro imóvel de sua propriedade, e assim alavancar o empreendimento que pretende implementar, com coeficiente construtivo maior. Também, como dissemos, é possível a venda do Potencial Construtivo para outro particular, auferindo, assim, vantagem pecuniária.
Destaque-se que a Transferência de Potencial Construtivo pode ser utilizada também na hipótese de tombamento de um bem, nos termos do inciso II, do artigo 35 do Estatuto da Cidade.
Assim, o que aparentemente em princípio pode parecer uma desvantagem aos proprietários de imóveis, em realidade, se bem-negociada e utilizada, pode representar negócio com alta possibilidade de rentabilidade e lucros.
Entretanto, é altamente recomendada a assessoria jurídica qualificada para atuar no procedimento de Transferência do Potencial Construtivo, uma vez que o trâmite administrativo é complexo, e a negociação demanda alta capacidade de persuasão.
Autores:
Antonio Tomasillo
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Thamyres Risso
[email protected]
Mauricio Dellova de Campos
[email protected]
[1] Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:
I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;
III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1o A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput.
§ 2o A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação da transferência do direito de construir.