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Prorrogação da Dívida Rural: Um Direito do Produtor e Instrumento de Estabilidade Para o Agronegócio
03/07/2025



Produtor e empresário rural: conheça os requisitos e o procedimento para prorrogação da dívida rural.
O agronegócio representa um dos pilares fundamentais da economia brasileira, caracterizado por sua notável capacidade produtiva e por sua intrínseca vulnerabilidade a fatores que fogem ao controle do produtor rural, como variações climáticas extremas, pragas, doenças, oscilação de preços e dificuldades logísticas. Diante dessa realidade, o ordenamento jurídico brasileiro criou instrumentos de proteção ao produtor rural — entre eles, a prorrogação da dívida rural.
A renegociação ou o alongamento do prazo de vencimento de um financiamento rural não constitui um mero favor ou um ato de liberalidade da instituição financeira, mas sim um direito subjetivo do produtor, desde que preenchidos os requisitos normativos.
A prerrogativa de prorrogação dos débitos rurais encontra seu principal alicerce normativo no Manual de Crédito Rural (MCR), um compêndio de regras editado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e administrado pelo Banco Central do Brasil, que vincula todas as instituições financeiras que operam no Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Especificamente, a seção 9 do capítulo 2 (MCR 2-6-9) estabelece de maneira cogente as diretrizes para o alongamento de dívidas.
A redação do referido dispositivo é clara ao determinar que, independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, a instituição financeira deve prorrogar a dívida, nos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, quando a incapacidade de pagamento do mutuário decorrer de fatores específicos. Veja-se:
“Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo:
a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências que prejudiquem o desenvolvimento das explorações.”
A prorrogação, portanto, opera como um direito do produtor e uma obrigação da instituição financeira, sendo um mecanismo essencial para mitigar os impactos de crises e permitir a recuperação econômica do devedor.
O exercício do direito à prorrogação está condicionado à demonstração cabal, por parte do produtor rural, do preenchimento de determinados requisitos. A comprovação é o fator determinante para o sucesso do pleito, seja na esfera administrativa, junto ao banco, seja em uma eventual discussão judicial.
A formalização do pedido de prorrogação deve seguir um rito que garanta a segurança jurídica para o produtor e a devida ciência por parte do credor. A negligência quanto ao procedimento correto pode inviabilizar o exercício do direito.
O passo inicial é a comunicação formal e por escrito à instituição financeira credora sobre a impossibilidade de pagamento e a intenção de prorrogar o débito. Essa notificação deve ser, obrigatoriamente, protocolada antes do vencimento da obrigação. A antecipação é fundamental, pois a solicitação após o vencimento pode ser interpretada pelo banco como inadimplência comum, e não como uma dificuldade amparada pela legislação especial do crédito rural. A notificação deve ser clara, objetiva, relatar os fatos que levaram à dificuldade de pagamento e requerer formalmente o alongamento do prazo com base no MCR 2-6-9. É imprescindível que o produtor guarde uma cópia do documento com o carimbo de protocolo do banco, pois esta será a prova da sua diligência e boa-fé.
Juntamente com a notificação, ou logo em seguida, o produtor deve apresentar à instituição todas as provas que reuniu. A análise do banco deve se ater estritamente à verificação dos requisitos legais: a ocorrência do fato adverso, o nexo causal com a incapacidade temporária de pagamento e a idoneidade da comprovação. A instituição financeira não pode criar obstáculos ou exigir documentos impertinentes. Caso a documentação esteja em ordem e os requisitos preenchidos, a prorrogação é um ato vinculado, e não discricionário.
Sendo o pedido deferido, a prorrogação será formalizada por meio de um termo aditivo ao contrato original, estabelecendo o novo cronograma de pagamento. Os encargos financeiros devem ser os mesmos originalmente pactuados, não sendo permitida a cobrança de juros ou multas de inadimplência, uma vez que o pedido foi feito tempestivamente.
Contudo, na hipótese de uma negativa injustificada por parte do banco, restará ao produtor rural a busca pela tutela de seu direito na esfera judicial. Por meio de uma ação própria, o produtor poderá apresentar ao Poder Judiciário toda a documentação e requerer que o juiz determine ao banco que cumpra a norma do Manual de Crédito Rural, efetivando a prorrogação nos termos da lei.
Em suma, a prorrogação da dívida rural é uma ferramenta jurídica de extrema importância para a saúde do agronegócio, funcionando como uma válvula de segurança que protege o produtor das intempéries inerentes à sua atividade.
O sucesso no exercício desse direito, contudo, depende diretamente da proatividade, organização e diligência do produtor. A constituição de um conjunto probatório robusto e a formalização do pedido de forma tempestiva são os pilares para garantir que a prerrogativa legal se materialize.
A compreensão de que se trata de um direito, e não de um favor, empodera o produtor na negociação com as instituições financeiras. Diante da complexidade dos procedimentos e da relevância dos prazos, a consulta a uma assessoria jurídica especializada em direito do agronegócio é altamente recomendável, assegurando que todas as etapas sejam cumpridas com rigor técnico e que os direitos do produtor sejam integralmente preservados, garantindo assim a continuidade de atividade rural.
Isabela Cristina de Faria
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