A Reforma Tributária alterou de forma significativa as regras fiscais para as empresas locadoras de bens móveis, como locadoras de veículos, máquinas e equipamentos, exigindo adaptação imediata a um novo cenário de tributação sobre o consumo.

As locadoras de bens móveis desempenham papel essencial em diversos segmentos da economia, ao disponibilizar bens e equipamentos que viabilizam atividades produtivas, industriais, de transporte e até mesmo de lazer. A característica central dessa atividade é a cessão temporária de um bem, sem transferência de propriedade. Embora pareça um detalhe contratual, essa distinção foi determinante para definir seu enquadramento jurídico e fiscal até a recente Reforma Tributária.

Historicamente, a locação de bens móveis esteve fora do campo de incidência dos tributos sobre o consumo. No âmbito municipal, o Supremo Tribunal Federal consolidou, por meio da Súmula Vinculante nº 31, o entendimento de que é inconstitucional a cobrança de ISS sobre operações de locação, por se tratar de obrigação de dar, e não de fazer. No plano estadual, o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias, o que pressupõe a transferência da propriedade, não se aplicando à locação. Na prática, portanto, as locadoras não recolhiam ISS ou ICMS sobre suas receitas.

O tratamento fiscal reduzia a carga tributária indireta dessas empresas, limitando-se a Imposto de Renda e CSLL, de acordo com o regime (Lucro Presumido ou Lucro Real), e PIS e COFINS, com alíquotas de 3,65% (Lucro Presumido) ou 9,25% (Lucro Real).

Essa ausência de tributação da operação de locação, foi, por muito tempo, benéfico para a lucratividade e competitividade do setor. Contudo, também gerava questionamentos sobre a justiça fiscal e a neutralidade do sistema, já que outras atividades econômicas com margens semelhantes arcavam com ISS ou ICMS.

Impactos da Reforma Tributária no setor

A Reforma Tributária altera substancialmente esse cenário. A Emenda Constitucional nº 132/2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, instituiu um novo modelo de tributação sobre o consumo, centrado na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Ambos incidirão sobre operações onerosas com bens ou serviços, o que abrange expressamente a locação de bens móveis. A expectativa do governo é de que a alíquota combinada de CBS e IBS alcance entre 26,5% e 28% sobre a receita bruta.

Na prática, empresas que até então não eram alcançadas por ISS e ICMS passarão a ser tributadas diretamente por tributos de base ampla.

A legislação, contudo, prevê mecanismos para mitigar esses impactos. A regra da não cumulatividade plena permitirá às locadoras apropriarem créditos de IBS e CBS sobre aquisições de bens e serviços necessários à sua atividade. Entretanto, essa compensação será limitada por exclusões legais (como gastos de uso e consumo pessoal), além de depender da emissão de documentos fiscais eletrônicos válidos.

Outro ponto relevante é o cronograma de transição. Entre 2026 e 2028, a CBS terá alíquota inicial reduzida (0,9%) e substituirá definitivamente PIS e COFINS a partir de 2027. O IBS, por sua vez, terá início com alíquota simbólica de 0,1% em 2026, crescendo gradativamente até 2033, quando substituirá integralmente ISS e ICMS. Durante esse período, as empresas deverão conviver com a sobreposição de regimes, ajustando seus controles internos e precificação para não sofrer desequilíbrio financeiro.

Para as locadoras não enquadradas no Simples, o desafio será expressivo: além do aumento da carga tributária, haverá necessidade de adaptação ao sistema de split payment, pelo qual parte do valor pago será retidão e direcionada automaticamente ao fisco, alterando o fluxo de caixa tradicional.

Também merece destaque a necessidade de revisão contratual. Contratos de longo prazo deverão prever cláusulas de reajuste e repasse de tributos, sob pena de se tornarem economicamente inviáveis no decorrer do período de transição. Essa precaução é particularmente importante em setores de alta competitividade, como locação de veículos e equipamentos de construção, em que as margens já são reduzidas.

Impactos da Reforma Tributária para as locadoras optantes pelo Simples Nacional

Para as empresas locadoras optantes pelo Simples Nacional, o impacto da Reforma Tributária é mais limitado, mas não irrelevante.

A Lei Complementar nº 214/2025 garantiu que os contribuintes desse regime poderão permanecer sujeitos ao recolhimento unificado pelo Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), preservando a simplicidade administrativa e a carga tributária reduzida em relação aos regimes do Lucro Presumido e do Lucro Real. No entanto, a legislação também permite que o contribuinte do Simples se credite parcialmente do IBS e da CBS destacados em notas fiscais de suas aquisições, desde que opte por essa sistemática híbrida.

Isso significa que, embora não sejam diretamente alcançadas pela alíquota integral dos novos tributos, as locadoras de bens móveis no Simples precisarão avaliar se a adesão parcial ao novo modelo de créditos tributários é vantajosa para a sua operação, principalmente em setores com margens apertadas ou com cadeias de fornecimento sujeitas a alto grau de tributação.

Deverão considerar, ainda, o perfil de sua clientela: quando o cliente for pessoa jurídica, este poderá exigir a emissão de nota fiscal submetida ao novo modelo de IBS e CBS, de modo a garantir seu direito de crédito integral, o que tende a pressionar locadoras do Simples a anteciparem sua adesão às regras da Reforma.

Assim, mesmo no Simples, será necessário planejamento para garantir competitividade no novo cenário fiscal.

Estratégias imediatas para o setor de locação

Em síntese, a Reforma Tributária inaugura um novo cenário para as locadoras de bens móveis. Se, por um lado, amplia a carga tributária, por outro, cria um ambiente que exige maior profissionalização da gestão fiscal e busca por eficiência operacional. As empresas que se anteciparem na adaptação estarão em melhores condições de atravessar a transição, preservar competitividade e aproveitar oportunidades dentro do novo modelo tributário brasileiro.

Nesse contexto, é recomendável que as locadoras projetem o impacto da nova carga tributária sobre margens e fluxo de caixa, revisem contratos em andamento para incluir cláusulas de repasse e realinhamento de preços, reorganizem sua escrituração fiscal a fim de assegurar o aproveitamento máximo de créditos de IBS e CBS, e avaliem a conveniência de migrar de regime tributário, especialmente no início da vigência das novas regras.

Também é essencial acompanhar a regulamentação infralegal e eventuais ajustes legislativos, de modo a evitar surpresas decorrentes de interpretações fiscais restritivas. A adoção dessas medidas, combinada a uma postura preventiva e de diálogo constante com clientes e fornecedores, será determinante para reduzir riscos e garantir que as locadoras mantenham posição competitiva no mercado durante e após a transição tributária.

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