Publicações
Da possibilidade de cobrança da multa compensatória (“multa de 3 aluguéis”) em ação de despejo por falta de pagamento
21/05/2024

A Lei nº 8.245/91, também conhecida como Lei do Inquilinato prevê em seu artigo 4º[1] que, exceto nas hipóteses do §2º, do artigo 54-A[2] da citada Lei, poderá o locatário (inquilino) devolver antecipadamente o imóvel locado pagando a multa estipulada contratualmente, de forma proporcional ao tempo restante para término da vigência contratual.
Aqui, pode-se fazer duas constatações:
Assim, basta que o locatário comunique o locador de sua intenção de rescisão contratual no prazo ali previsto, pague a multa compensatória de forma proporcional, e proceda à devolução antecipada do imóvel.
A contrario sensu, é possível afirmar ser um direito do locador o recebimento da multa compensatória proporcional ao tempo restante da locação, caso haja previsão contratual nesse sentido.
Partindo dessa premissa, a questão que remanesce é quanto à possibilidade de cobrança de multa compensatória proporcional quando o locatário desocupa o imóvel em decorrência de ação de despejo por falta de pagamento.
Esclarecida a questão da obrigação do pagamento de multa compensatória proporcional por devolução antecipada do imóvel, importa saber como os Tribunais vem enfrentando a questão quando há desocupação do imóvel de forma antecipada, porém não por vontade do locatário, mas sim na hipótese de desocupação antecipada em decorrência de ação de despejo por falta de pagamento.
Ocorrendo inadimplência do locatário no pagamento dos aluguéis, este estará sujeito ao pagamento dos encargos contratualmente previstos, tais como multa moratória, juros etc., e o locador poderá propor ação de despejo cobrando todos esses encargos.
Assim, proposta ação de despejo por falta de pagamento, e sendo essa a única infração contratual (atraso no pagamento dos aluguéis) é pacífico na jurisprudência o entendimento pela impossibilidade de cumulação de multa moratória com multa compensatória, decorrente da mesma infração contratual.
Como exemplos, citamos decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:
CIVIL. LOCAÇÃO. CLÁUSULAS COMPENSATÓRIA E MORATÓRIA. CUMULAÇÃO. BIS IN IDEM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 62 DA LEI Nº 8.245/1991. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PREQUESTIONAMENTO. FALTA.
(STJ. Decisão monocrática 988902. Processo nº 2007/0223398-0; Relator (a): Paulo Gallotti; Data do julgamento: 07/10/2008.)
Apelação cível – Embargos à execução – Execução – Contrato de locação – Interposição pelo então locador, embargado à execução – Preliminar afastada – Sentença devidamente motivada e fundamentada, ainda que de modo objetivo – Mérito – Pretensão de condenação da executada também pela multa compensatória, cumulando esta com a moratória – Impossibilidade, no caso – Rescisão contratual que decorre do pedido formulado na exordial, ainda que diante da desocupação voluntária do imóvel pela então locatária no curso do processo – Multa moratória e a multa compensatória decorrem, na situação tratada nos autos, igualmente do inadimplemento dos valores locatícios – Impossibilidade, no caso, de duas multas, conjuntamente, a moratória, mais a compensatória – Sentença mantida – Sem majoração de honorários advocatícios em grau recursal (artigo 85, § 11 do CPC) – Apelação não provida. (destacamos)
(TJSP. Acórdão. Processo nº 1015248-77.2023.8.26.0100; Relator (a): João Antunes; Data do julgamento: 09/05/2024.)
Note-se que os Tribunais têm o entendimento que sendo a inadimplência a única infração contratual cometida pelo locatário, não é possível a cobrança de duas multas para o mesmo fato gerador do despejo.
Entretanto, o entendimento é diverso quando, ainda que a ação de despejo tenha como única causa a inadimplência do locatário, ocorre a devolução antecipada do imóvel decorrente dessa ação de despejo.
E isso se dá porque o entendimento jurisprudencial é no sentido de ocorrência de duas infrações contratuais distintas, sendo uma por inadimplência no pagamento do aluguel – em que é devida multa moratória, e outra em razão da devolução antecipada do imóvel, em que é devida a multa compensatória contratualmente prevista (cláusula penal proporcional).
Nesse sentido, colaciona-se abaixo decisões dos nossos Tribunais:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. CLÁUSULA MORATÓRIA. CLÁUSULA COMPENSATÓRIA. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM.
(STJ. Decisão monocrática 388570. Processo nº 2013/0288380-8; Relator (a): Ricardo Villas Bôas Cueva; Data do julgamento: 07/05/2015.)
APELAÇÃO. Ação de despejo cumulada com cobrança. Sentença de parcial procedência. Insurgência de ambas as partes. Recurso da parte autora. Impugnação à gratuidade conferida. Não acolhimento. Parte corré que demonstrou documentalmente a hipossuficiência declarada. Mérito. Multa moratória de 10% sobre a obrigação principal e acessórias. Cabimento. Previsão contratual expressa nesse sentido. Ausência de abusividade. Inadimplemento de obrigações acessória, como pagamento de impostos sobre o imóvel, que ensejam a obrigação da parte locadora de despender recursos próprios para adimplemento da obrigação. Cumulação de multa moratória com a multa compensatória. Possibilidade. Multa moratória que tem incidência em razão no atraso no pagamento e multa compensatória que é devida em virtude da rescisão antecipada da avença antes do prazo determinado inicialmente contratado. Ausência de bis in idem. Precedente do C. Superior Tribunal de Justiça. Honorários previstos em contrato. Hipótese prevista para purgação extrajudicial da dívida. Honorários fixados em juízo que devem observar os parâmetros previstos nos artigos 85 e seguintes do Código de Processo Civil. Precedente desta C. Câmara. Impenhorabilidade do imóvel dos fiadores. Indicação de caução e fiança no contrato. Impossibilidade de cumulação de garantias. Ausência de comprovação, pela parte ré, de instituição da garantia real. Possibilidade, portanto, de prevalência da fiança prestada. Devedor solidário com expressa renúncia ao benefício de ordem. Fiança. Ausência de proteção legal de impenhorabilidade do bem de família. Penhora possível. Recurso da parte corré. Alegação de nulidade das disposições contratual relativas a prestação de fiança. Alegação de que os corréus são analfabetos funcionais. Ausência de prova neste sentido. Parte autora que tornou a matéria controvertida em réplica. Ônus processual da parte ré que não foi desincumbido. Inteligência do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Sucumbência mínima da parte autora. Ônus que deve ser imputado com exclusividade a parte ré. Sentença reformada. Recurso da parte autora provido em parte e desprovido o da parte ré. (destacamos)
(TJSP. Acórdão. Processo nº 1126198-90.2022.8.26.0100; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Data do julgamento: 09/04/2024.)
Da análise jurisprudencial sobre o tema, concluímos que a simples propositura de despejo por falta de pagamento em razão da mora do locador, não admite a cobrança de multa compensatória, ainda que contratualmente prevista. Isto porque, o entendimento é que não pode incidir duas penalidades para a mesma causa ou fato gerador, qual seja, o atraso no pagamento dos aluguéis.
De forma diversa, uma vez proposta ação de despejo por falta de pagamento e essa acarretar o despejo do locatário, com a devolução antecipada do imóvel (em razão do despejo) ainda dentro do prazo determinado de vigência contratual, multa compensatória (proporcional), também conhecida no mercado imobiliário como “multa dos 3 aluguéis”, será devida. Isso porque, a multa compensatória será devida não pelo atraso no pagamento do valor do aluguel, mas sim pela devolução antecipada do imóvel.
Nessa hipótese, teremos duas causas distintas de infração contratual a justificar serem devidas ambas as multas (moratória e compensatória), incorrendo chamado bis in iden, ou seja, a cobrança em duplicidade de penalidade para o mesmo fato.
Autores:
Antonio Tomasillo
[email protected]
Thamyres Risso
[email protected]
Mauricio Dellova de Campos
[email protected]
[1] Art. 4o Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
[2] Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
. . .
§ 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.