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Crise no Agronegócio: Ferramentas Adequadas Para a Reestruturação
08/05/2025



A manutenção de uma perspectiva equilibrada e otimista do agronegócio, a partir da sua efetiva reestruturação.
O acesso ao crédito é fundamental para a atividade rural, tão essencial para a economia do país. Em estudo divulgado pelo Serasa Experian1, houve um aumento de contratação no primeiro semestre de 2024 relativamente ao mesmo período de 2023, em razão da confiança no setor em superar desafios, como a instabilidade climática e os preços das commodities.
No entanto, o mesmo estudo registra baixa no segundo trimestre de 2024, reflexo da “cautela em virtude de um aumento das taxas de inadimplência, quantidades de recuperações judiciais e queda no perfil financeiro dos aplicantes”.
Fato é que o agronegócio enfrentou nos últimos anos uma série de adversidades, prejudicando a entrega da produção dentro do prazo e na quantidade assumida, e esse cenário tem gerado muita incerteza no setor, com crédito mais caro e recursos mais escassos, dificultando os produtores.
Esse artigo visa tratar das ferramentas jurídicas para a superação da crise no setor.
No período de dificuldade, as obrigações se tornam difíceis de serem cumpridas, colocando em risco a própria continuidade da atividade agrícola. O fim da atividade rural não interessa àquele que exerce a agricultura, pois, geralmente, essa é a fonte do seu sustento. O fim da atividade também não interessa ao resto da cadeia vinculada à produção rural, como, por exemplo, no caso das parcerias agrícolas, pois eles, os donos de terras, dificilmente terão o crédito satisfeito, já que a produção será prematuramente rescindida e, consequentemente, ceifados os frutos. Tão pouco interessa ao Estado o fim da atividade, pois isso resulta na perda de arrecadação fiscal, redução no crescimento econômico, e um aumento na taxa de desemprego.
Assim, como forma de preservar a atividade agrícola, e acolher os interesses coletivos e do próprio Estado, a Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005) disponibilizou três instrumentos para negociação entre o devedor e os parceiros comerciais, visando a superação da dificuldade momentânea mediante uma construção conjunta:
A autocomposição é um procedimento pelo qual os credores e os devedores constroem uma solução conjunta, com o auxílio de terceiro imparcial, o Mediador. Previsto expressamente na Lei nº 11.101/2005, esse é um importante procedimento para auxiliar na busca da melhor solução coletiva para superação do período de dificuldade e como forma de satisfação das obrigações.
Ainda, em caso de já existir ações judiciais contra o devedor, o art. 20-B, §1º, da Lei 11.101/2005 determina a suspensão, por 60 dias, das execuções movidas pelos credores/parceiros convidados a participarem do procedimento, ainda que eles não aceitem participar.
Enquanto perdurarem essas negociações, a Lei impõe a total proteção das informações comerciais, o que garante ainda uma maior segurança às tratativas e números apresentados pelas partes envolvidas.
Caso as partes cheguem a um consenso, o acordo deverá ser levado à homologação judicial, e terá validade somente para os que dele participaram expressamente, conforme determinação do art. 20-C da mesma Lei.
Desse modo, nota-se que a autocomposição é um importante instrumento para negociação e preservação das relações comerciais essenciais, a exemplo dos contratos de arrendamento rural e parceria agrícola, pois permite que o produtor em dificuldade construa uma solução com aqueles parceiros cujas obrigações se tornaram de difícil cumprimento ou estão inadimplidas. Para incentivar a negociação e evitar que outros parceiros inviabilizem a negociação, a lei autorizou a suspensão de eventuais execuções promovidas por todos os parceiros convidados ao procedimento, ainda que ele opte em não participar.
Na recuperação extrajudicial o devedor firma um acordo coletivo com seus parceiros comerciais e o leva para homologação judicial. Existem dois tipos: a homologatória, na qual todas as partes envolvidas concordam com o plano e o Juízo apenas homologa; e a impositiva, pela qual se impõe a vontade da maioria dos parceiros a uma minoria discordante.
Nesse procedimento despontam quatro grandes vantagens. A primeira é em relação aos parceiros que irão integrar esse plano. O agente afligido pela dificuldade poderá selecionar quem fará parte do plano, permitindo, com isso, o tratamento certeiro do momento de dificuldade.
A segunda vantagem é a suspensão das execuções porventura existentes contra o devedor. Em uma situação comum, os parceiros comerciais iniciariam uma corrida para buscar o cumprimento das obrigações, esvaziando o patrimônio do devedor e prejudicando os outros parceiros comerciais. Assim, o artigo 163, §8º, da mesma Lei autoriza a suspensão das ações contra o devedor e cria um ambiente favorável à negociação.
A terceira vantagem é o quórum para homologação judicial do plano, sendo necessária a aprovação de mais da metade dos créditos de cada grupo de credores, entre trabalhadores e fornecedores.
A quarta e maior vantagem é que, caso não aprovado o plano, não há convolação em falência, podendo: 1) tentar acordos individuais com seus parceiros; 2) renovar o pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial, observados os requisitos legais; 3) requerer a conversão em recuperação judicial.
Logo, nota-se que o processo de recuperação extrajudicial é extremamente flexível e útil aos interesses de todas as partes.
Quando se tem um maior número de parceiros comerciais para negociar, a negociação individual se torna difícil, ainda mais se ele for economicamente significante, pela influência ou pelo volume. Certamente ele irá exigir que o acordo tutele exclusivamente os seus interesses, em detrimento aos outros parceiros e da própria atividade comercial. Nessa hipótese, a lei criou um procedimento para limitar esse tipo de comportamento e contemplar o todo: a recuperação judicial.
O racional da lei é criar um ambiente favorável de negociação, onde os parceiros e o devedor construam, em conjunto, uma solução para superação do período de dificuldade e cumprimento das obrigações, vinculando a vontade da maioria a uma minoria discordante.
Visando o incentivo dos parceiros à negociação, o artigo 6º, II e III, da Lei 11.101/2005 prevê a suspensão dos atos executivos promovidos por credores que tem créditos nessas condições pelo prazo de 180 dias corridos, prorrogáveis, pois o espírito da lei é a preservação da atividade econômica e o cumprimento das obrigações assumidas.
Como forma de proteger as negociações de ataques de eventuais credores que não tenham seu crédito inserido na recuperação judicial, é possível se valer de uma blindagem patrimonial, já que a retirada de ativos do devedor somente pode ser deliberada pelo juiz que processa a recuperação judicial.
Em resumo, a recuperação judicial é uma ferramenta viável para os momentos de crises financeiras como alternativa para alcançar uma solução, visando a manutenção das relações comerciais.
A partir da avaliação do cenário da crise, será possível verificar qual instrumento disponibilizado pela Lei de Recuperação Judicial é mais propício para a sua superação da crise no agronegócio, seja pela Mediação, Recuperação Extrajudicial ou Recuperação Judicial.
Em um cenário de dificuldade perante poucos parceiros, tem-se a mediação.
Na hipótese de existir um maior número de credores e a necessidade de vinculação de uma minoria discordante, a recuperação extrajudicial é o caminho.
Por fim, caso haja a imposição da vontade individual de credor hiper suficiente em detrimento da atividade rural ou de outros credores, a medida adequada será a recuperação judicial.
Destaca-se que cada caso é único e deve ser analisado de forma individual, portanto, é fundamental contar com a assessoria especializada para orientar e garantir o cumprimento das regras previstas na legislação, bem como para adoção de medidas efetivas para reorganizar a atividade produtiva e reduzir os custos operacionais.
Márcia Ferreira Ventosa
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