A pandemia de COVID-19 trouxe à tona a aplicação da teoria da imprevisão, especialmente em contratos de longa duração, como os acordos de acionistas. Este artigo analisa a possibilidade de revisão contratual com base na onerosidade excessiva, considerando a alocação de riscos e a previsibilidade dos eventos nos acordos societários. 

Como resultado da pandemia global da COVID-19, muito se discutiu no âmbito do direito global e brasileiro sobre a aplicação da teoria da imprevisão em contratos celebrados entre particulares, principalmente no que tange à revisão contratual decorrente da onerosidade excessiva nas obrigações estipuladas em contratos civis e empresariais dos mais variados tipos.  

Contudo, em razão das características inerentes aos acordos de acionistas e sua ampla adoção pelo mercado, além do seu caráter econômico como instrumento balizador da relação societária entre acionistas, sendo um contrato de longa duração e de execução continuada, levanta-se a dúvida sobre a aplicabilidade da teoria da imprevisão e consequente possibilidade de revisão contratual em caso de onerosidade excessiva positivados na legislação brasileira, nos termos dos artigos 478 a 480 do Código Civil.  

Este assunto é de extrema importância, tendo em vista que, por sua natureza, o acordo de sócios é uma ferramenta jurídica cuja previsibilidade e segurança nos direitos e obrigações são estipulados de parte a parte entre acionistas ao longo de seu relacionamento, na qualidade de titulares da participação societária das sociedades empresariais. 

Diante desse cenário, o objetivo do presente artigo é analisar as características jurídicas e econômicas dos acordos de acionistas e sua previsão legal frente à teoria da imprevisão e os dispositivos legais relacionados à revisão contratual e onerosidade excessiva na legislação pátria, a fim de verificar a compatibilidade de referidos institutos em casos extraordinários de desequilíbrio contratual.   

O que é a Teoria da Imprevisão?

A Teoria da Imprevisão figura-se como verdadeira flexibilização do princípio basilar do direito contratual, o pacta sunt servanda, ao reconhecer a presunção de existência implícita da cláusula rebus sic stantibus em todos os contratos celebrados entre os particulares.  

Conceitualmente, a cláusula rebus sic stantibus seria uma previsão tácita existente em contratos de execução continuada que determina hipóteses de resolução ou renegociação contratual quando verificada a ocorrência de fatos imprevisíveis e externos ao controle das partes, que alterem substancialmente as condições econômicas que foram determinantes à época da negociação e celebração dos termos do contrato em questão. Caso se verifique, no futuro, que houve a oneração excessiva de uma das partes em decorrência do evento imprevisível, com o consequente desequilíbrio da relação contratual originalmente pactuada, a situação implicaria no enriquecimento injustificado de uma das partes com a ruína da outra. 

Nesse sentido, observa-se que a Teoria da Imprevisão preceitua que a manutenção das condições originais do contrato, quando foram negociadas e pactuadas pelas partes no pleno exercício autonomia de suas vontades, seria o pressuposto objetivo do contrato em questão e que, se tais circunstâncias se alterarem por um fato imprevisível, o contrato pode e deve ser revisto ou, não sendo possível sua revisão, a resolução do contrato. 

 

A Teoria da Imprevisão foi acolhida no ordenamento jurídico brasileiro?

O ordenamento jurídico brasileiro acolheu a Teoria da Imprevisão ao expressamente prever, nas cláusulas 478 a 480 do Código Civil, a possibilidade de revisão contratual em contratos de execução continuada ou diferida, caso as prestações de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, em decorrência de eventos extraordinários e imprevisíveis.  

Adicionalmente, o Código Civil reforçou o revisionismo contratual na positivação do artigo 317 do Código Civil, que versa que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” 

Observa-se, pela redação dos dispositivos supramencionados, que o requisito essencial para a revisão contratual e a aplicação da Teoria da Imprevisão é a imprevisibilidade do evento em questão e a incapacidade de controle das partes sobre o evento, bem como sua direta relação com a impossibilidade de cumprimento das prestações ou sua onerosidade excessiva decorrente de referida modificação das bases contratuais. 

A jurisprudência brasileira, ao analisar casos de revisão contratual à luz dos artigos 317 e 478 do Código Civil, se posicionou em diversas ocasiões sobre o assunto. Conforme recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça relacionados a casos de revisão contratual mediante invocação dos artigos 478 a 480 e 317 do Código Civil, o fator determinante adotado pelo judiciário para aplicação da teoria da imprevisão centra-se na possibilidade de aferição prévia dos riscos possíveis e inerentes à atividade e ao negócio celebrado entre as partes, além de sua alocação na relação contratual. Ou seja, sendo tais riscos previsíveis e aferíveis pelas partes, não há que se falar em evento imprevisível e extraordinário que tenha o condão de alterar as premissas gerais que permearam a celebração do negócio jurídico em questão. 

Seria a Teoria da Imprevisão aplicável em Acordos de Acionistas?

Partindo-se à análise específica da possibilidade de aplicação da Teoria da Imprevisão para fins de revisão contratual dos Acordos de Acionistas, embasada nos artigos 317 e 478 a 480 do Código Civil, temos que este instrumento jurídico, por se tratar de contrato parassocial de longa duração e, portanto, sujeito às regras gerais do Código Civil, também se sujeitariam à revisão contratual por força do instituto da Teoria da Imprevisão, caso verificada onerosidade excessiva em alguma de suas prestações em decorrência de um evento imprevisível e extraordinário.  

No entanto, o Acordo de Acionistas é um contrato cujas cláusulas e disposições são majoritariamente relacionadas à existência de diversos eventos potenciais e comuns à vida social e à relação dos acionistas entre si e junto à companhia.  

Por este motivo, é imprescindível pontuar que a negociação das cláusulas dos Acordos de Acionistas, em sua grande maioria, visa a alocação de riscos e previsão de situações possíveis nesses eventos, objetivando definir uma conduta prévia a ser adotada caso tais situações se verifiquem, de modo a reduzir os custos de transação entre acionistas em tais hipóteses. 

Desse modo, há que se destacar que somente seria aplicável a revisão contratual às cláusulas do Acordo de Acionistas cujo risco inerente aos eventos nela dispostos não tenham sido assumidos por qualquer das partes, ainda que implicitamente.  

A título de exemplo, caso um determinado Acordo de Acionistas de uma companhia aberta, estabelecesse a possibilidade do exercício de uma opção de compra de ações de um acionista por um determinado valor fixo, precificado em razão da expectativa de valorização das ações, não haveria que se falar na possibilidade de revisão contratual caso ocorra uma queda no valor das ações da companhia. Ainda que o motivo da queda no valor das ações fosse atribuível a um evento imprevisível, o risco de desvalorização das ações da companhia no mercado de capitais é inerente às companhias abertas e previsível na negociação desta cláusula, tendo sido o risco alocado ao acionista a cuja opção de compra foi outorgada. 

Considerando então a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão em Acordos de Acionistas, apenas seria admitido a adoção da revisão contratual em cláusulas em que não seja verificável a alocação dos riscos previsíveis para natureza do dispositivo em questão. Caso contrário, adotando-se a ampla e indiscriminada possibilidade de aplicação da Teoria da Imprevisão a todas as cláusulas do Acordo de Acionistas, estaríamos diante de uma situação de flagrante insegurança jurídica que desestimularia a adoção deste instrumento jurídico para regular as relações entre acionistas, cuja previsibilidade e segurança são fundamentais ao âmbito empresarial. 

Nosso escritório está à disposição para responder eventuais questionamentos acerca do tema. 

 

Autor: 

Guilherme Lomonico
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