A Reforma Tributária se mostra como excelente oportunidade para implementação e incentivo à utilização cada vez maior de métodos adequados para resolução de conflitos tributários, a exemplo da mediação e transação, a fim de melhorar recursos aos cofres públicos e afastar a insegurança que impede investimentos para os contribuintes.

Tema recorrente no debate público nacional e de grande impacto é a Reforma Tributária no Brasil que, de maneira generalista, busca modernizar o complexo sistema tributário do país, simplificando a arrecadação de impostos e tornando-o mais eficiente e equitativo, pois viram principalmente a substituição de diversos tributos por um imposto único sobre bens e serviços.

A intenção do presente artigo é aproveitar o cenário de renovação trazido pela reforma para propor outras mudanças de paradigma no direito tributário, principalmente nas formas com as quais os contribuintes se relacionam e resolvem seus conflitos com as Administração Pública.

Atual cenário da justiça brasileira

Corroborando a relevância de se propor (e incentivar) a utilização de métodos adequados para resolução de conflito tributários, importante ilustrar – em números – o cenário da justiça brasileira, tanto na esfera administrativa, quando na esfera judicial, utilizando-se, para tanto, de pesquisas e dados oficiais acerca da excessividade de demandas litigiosas tributárias.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) traz anualmente ao público o Relatório Justiça em Números, utilizado como diagnóstico que se consolida com qualidade de um dos principais documentos de publicidade e transparência da Administração Pública do Brasil, no que diz respeito ao Poder Judiciário.

A versão “Justiça em Números 2024”[1], cujo teor se refere ao ano-base 2023, não só reporta o crescimento no número de processos, mas também o aumento de gastos do Poder Judiciário para o último ano que foram de 132,8 bilhões, representando um crescimento na ordem de 9% em relação a 2022. Ainda conforme o anuário do CNJ, foram 35 milhões de processos novos em 2023, o maior número da série histórica de quase 20 anos, com aumento de 9,4% em relação ao ano anterior.

O ano de 2023 se encerrou com um expressivo acervo de 83,8 milhões de processos em tramitação (aqui incluídos os suspensos, sobrestados e em arquivamento provisório), sendo que só no ano passado foram recebidos 3 milhões de casos novos a mais do que em 2022.

O número expressivo de processos pendentes de julgamento vem se arrastando ao longo dos anos. Na esfera administrativa federal, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF disponibilizou, em seu sítio eletrônico, dados gerenciais atualizados acerca do estoque dos processos administrativos que estão sob responsabilidade do órgão.

De acordo com a notícia divulgada em 7 de fevereiro de 2019[2], o estoque do CARF – à época – era de 122.371 processos, o que correspondia ao valor de R$ 603,77 bilhões em crédito tributário e aproximadamente 43% desse crédito já havia sido sorteado para os conselheiros e se encontravam, portanto, em fase de relatoria ou pós-julgamento. Nesta mesma oportunidade o Conselho informou ainda que em estudo prévio por ele realizado em 2015, seriam necessários 77 anos para julgar todo o seu estoque.

Apesar da necessidade de implementação de medidas que visem a melhora de sua gestão ser medida reconhecida pela esfera pública, os números continuam aumentado e atingindo patamares expressivo. O CARF[3] ilustrou a evolução do acervo do Conselho Administrativo entre os meses de novembro de 2018 e abril de 2020 e, como se tem do gráfico divulgado pelo órgão em 2019, o acervo chegou a corresponder ao impressionante número de R$ 688 bilhões de reais e, embora o CARF apresente certa evolução e, daquela data para abril de 2020, tenha reduzido o número de 116,5 para 111,7 mil processos, os créditos tributários que correspondem a esse numerário ainda continua expressivo: R$ 544 bilhões reais para abril de 2020.

Além dos números apresentados pelo relatório do CARF, em quantidade estocada e valor dos créditos envolvidos, não foge à realidade da justiça brasileira que o contencioso tributário é extremamente moroso em solucionar os litígios submetidos ao seu exame.

Nota-se, apesar da reconhecida competência e esforços de todos os magistrados, servidores e colaboradores da esfera pública para efetivo julgamento dos conflitos que se põem à mesa de julgamento, a crise enfrentada pelo Sistema de Justiça brasileiro e a urgência em se adotar medidas que tenham o intuito de melhorar a celeridade e a qualidade da solução dos conflitos, dentre eles, os tão importantes questionamentos que tratam de direito tributário, sejam eles de natureza creditória ou não, quer seja pelo contribuinte ao reivindicar seus direitos, quer seja pelo Poder Público em busca de uma maior arrecadação de receita para garantia e ampliação dos direitos sociais básicos.

 

Os métodos alternativos para resolução de conflitos

A necessidade de se adequar à crescente demanda da sociedade contemporânea que, em um mundo cada vez mais globalizado, clama por melhor qualidade na prestação dos serviços públicos e efetiva garantia dos direitos sociais básicos, e que não deixa alternativa ao Poder Público senão impulsionar a percepção de suas receitas públicas, anda em contramão ao entrave dos valiosos créditos tributários envolvidos em eternas discussões processuais, judiciais e administrativos, corroborando a urgência de medidas que visem solucionar a crise da jurisdição estatal brasileira.

O Senado Federal[4] realizou, em 2024, a audiência pública na Comissão Temporária Interna destinada a discutir os projetos que modernizam os processos administrativo e tributário, destacando a importância da adoção de mecanismos alternativos para a solução pacífica de conflitos entre o fisco e os contribuintes. O relator da Comissão, senador Efraim Filho (União-PB) afirmou que o “Custo Brasil” é alto, em parte por causa das regras atuais de solução de controvérsias tributárias.

O Código de Processo Civil, por sua vez, também visa reduzir e simplificar a resolução de litígios, trazendo previsões acerca do “sistema multiportas”, que consiste em um modelo adequado para solução de conflitos, prevendo a possibilidade de diversas formas de resolução dos litígios, como a conciliação, a mediação e a arbitragem.

Aliás, a exemplo da transação tributária, prevista no ordenamento jurídico como forma de extinção do crédito tributário e regulamentada somente em 2019 pela Medida Provisória 889, posteriormente convertida na Lei 13.988/2020, tal mecanismo consiste em instrumento celebrado entre contribuinte e administração tributária competente, mediante concessões mútuas, e poderá ocorrer tanto na fase de cobrança (casos em que já há inscrição do débito e/ou execução fiscal) como na fase do contencioso (contencioso administrativo ou judicial).

Outro método citado como mais adequado para resolução os conflitos tributários, preservada a obrigação ao atendimento do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, é a alteração da Lei de Arbitragem no sentido de permitir à Administração Pública a utilização da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais e disponíveis, como se verificou do Projeto de Lei nº 4.257/19 com o objetivo instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária.

A Medida Provisória nº 499/2019 (conhecida popularmente como “MP do contribuinte legal), posteriormente convertida na recente Lei nº 13.988, publicada no Diário Oficial da União do dia 14 de abril de 2020, que trouxe requisitos e condições para viabilizar a realização da transação entre Administração Tributária Federal e contribuintes devedores de tributos sob sua administração, já inscritos em dívida ativa ou que sejam objeto de lide contenciosa judicial ou administrativa, deve ser recebida como avanço positivo no contencioso tributário brasileiro.

Apesar de a simplificação ser sua força motriz, fato é que a reforma tributária da forma como posta pode ter verdadeiro potencial de aumento do contencioso judicial da reforma tributária, mostrando-se imperioso que a legislação nacional volte seus olhos para a criação de regras uniformes e que também regulamentam métodos adequados de solução de conflitos para auxiliar o atual e grave problema da crise do sistema de justiça brasileiro como um todo, com especial atenção ao processo de recuperação do crédito tributário, tanto pelo Poder Público para garantia dos direitos sociais básicos, quanto para o contribuinte que necessita de regularização e capital para movimentar a economia nacional.

 

Autores: 

Murilo Nhoncance Silva
[email protected] 

Lais Alves
[email protected] 

Danilo F. Crotti
[email protected]

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