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Testemunha em Audiência Trabalhista: Gerente ou Coordenador Pode Depor?
03/10/2025



Conheça os limites e cuidados ao indicar gerente ou coordenador como testemunha perante a Justiça do Trabalho.
Muito se discutiu, ao longo dos anos, sobre a possibilidade de gerentes, coordenadores e demais empregados enquadrados como detentores de “cargo de confiança”, nos termos do artigo 62, II, da CLT, atuarem como testemunhas em audiências trabalhistas.
A questão nunca foi meramente acadêmica: trata-se de um tema que, na prática, pode definir os rumos de um processo, já que o depoimento de tais profissionais costuma ser considerado relevante para a formação da convicção do julgador.
O ponto central da controvérsia sempre girou em torno de uma indagação aparentemente simples, mas de profundas repercussões jurídicas: afinal, esses empregados possuem, ou não, a necessária isenção de ânimo para prestar seu depoimento de maneira imparcial?
A jurisprudência dos Tribunais do Trabalho refletia essa divergência. De um lado, havia entendimentos segundo os quais os empregados que exerciam função de confiança teriam interesse direto no desfecho da demanda, o que autorizaria a contradita com base na falta de imparcialidade. De outro, sustentava-se que o simples fato de ocupar um cargo de confiança não seria suficiente, por si só, para afastar a validade do depoimento, exigindo-se a demonstração concreta de interesse na causa.
Diante da insegurança jurídica gerada por essa divisão, coube ao Tribunal Superior do Trabalho pacificar a questão. E foi exatamente isso que ocorreu em 15 de setembro de 2025, quando o TST, ao julgar o Tema 307, consolidou o entendimento de que o exercício do cargo de gerência ou de função de confiança, por si só, não configura causa de suspeição da testemunha.
A Corte Superior, contudo, estabeleceu limites importantes: a suspeição poderá ser reconhecida quando houver prova da ausência de isenção de ânimo, ou ainda, quando a testemunha detiver poderes de mando e gestão equiparados aos do empregador, circunstâncias em que sua imparcialidade estaria efetivamente comprometida.
Contudo, com a fixação do tema pelo TST, surge um novo e relevante questionamento prático: como será feita, na realidade dos processos trabalhistas, a distinção entre o cargo de gestão que pode depor sem comprometer a isenção e aquele cujo depoimento traz riscos de parcialidade, ensejando a impossibilidade da oitiva da testemunha?
Em outras palavras: de que forma será identificado o limite entre a figura do simples ocupante de cargo de confiança e o empregado que efetivamente se equipara ao empregador no exercício de poderes de mando e gestão?
Essa dúvida se justifica porque, no plano teórico, o cargo de confiança é justamente aquele em que o empregado recebe atribuições especiais e se aproxima da figura do empregador, exercendo prerrogativas diferenciadas de direção, comando e fiscalização.
No entanto, a prática empresarial moderna revela uma realidade bastante distinta. Embora o ordenamento jurídico ainda traga a concepção clássica de “cargo de confiança”, a dinâmica corporativa atual impõe limites muito mais claros a esses poderes. É comum que gerentes e coordenadores, ainda que investidos em funções de confiança, tenham sua autonomia restringida, seja por políticas internas de governança, seja por rígidos programas de compliance que impedem decisões tomadas de forma isolada.
Nesse contexto, o que se observa é que grandes decisões estratégicas raramente são adotadas de maneira individual, ficando condicionadas à análise e aprovação de colegiados, comitês ou instâncias superiores de deliberação. Essa prática atende, não apenas às exigências legais e regulatórias, mas também às demandas do próprio mercado, visa reduzir riscos de abuso, assegurar transparência e alinhar as escolhas empresariais ao interesse coletivo da organização.
Assim, embora à primeira vista a decisão do TST possa soar contraditória, na realidade ela reflete uma tentativa de conciliar o conceito jurídico tradicional de cargo de confiança com a complexidade das relações de trabalho contemporâneas, nas quais a titularidade de um cargo gerencial não se confunde, necessariamente, com o exercício pleno e irrestrito de poderes de mando e gestão.
Diante desse cenário, é imprescindível que as empresas acompanhem de perto a evolução dessa matéria nas instâncias superiores, bem como a fundamentação utilizada nos julgados, a fim de prevenir o aumento de passivos trabalhistas e evitar condenações que destoem por completo do conceito legal de trabalhador externo.
Assim, a fim de evitar prejuízos processuais e até mesmo o risco de perda da prova, é fundamental que as empresas se preparem adequadamente no momento da escolha de suas testemunhas.
Nesse contexto, é imprescindível que determinadas características do empregado sejam cuidadosamente avaliadas no momento da escolha das testemunhas. A título de orientação, destacam-se alguns aspectos que podem servir como parâmetro para essa seleção:
A definição do Tema 307 pelo TST representou um marco importante para pacificar uma das discussões mais sensíveis da prova testemunhal na Justiça do Trabalho. Ao afastar a presunção automática de suspeição para todos os empregados em cargos de confiança, o Tribunal buscou equilibrar a necessidade de garantir a ampla produção probatória com a preservação da imparcialidade essencial ao processo.
Não obstante, a decisão não elimina os desafios práticos: caberá às partes e, sobretudo, às empresas, adotar critérios objetivos e cautelosos na indicação de testemunhas, evitando a escolha de profissionais cujo vínculo hierárquico ou benefício direto com o resultado da demanda possa comprometer a validade de seu depoimento.
Nesse sentido, torna-se indispensável investir em uma estratégia preventiva, analisando o histórico funcional do empregado, o grau de autonomia efetivamente exercido, a eventual percepção de benefícios decorrentes do resultado da ação, bem como a posição ocupada na estrutura organizacional da companhia.
Mais do que nunca, a preparação adequada para as audiências trabalhistas exige uma visão técnica, estratégica e alinhada às melhores práticas de governança corporativa. Testemunhas bem escolhidas não apenas fortalecem a defesa, mas também reduzem os riscos de nulidade da prova e de decisões desfavoráveis que poderiam ser evitadas com uma atuação preventiva e criteriosa.
Débora Faria Santos
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