Entenda como a distribuição desproporcional de lucros pode afetar a segurança jurídica e a estabilidade das sociedades limitadas.

A legislação societária brasileira admite, em determinadas situações, a possibilidade de os sócios deliberarem pela distribuição desproporcional de lucros em relação à participação no capital social. Em outras palavras, ainda que um sócio detenha participação minoritária, ele pode receber uma parcela de lucros maior do que aquela que corresponderia ao seu percentual de quotas.

Embora essa prerrogativa seja válida do ponto de vista jurídico, sua utilização de forma inadequada pode gerar sérios reflexos no âmbito societário. O tema ganhou maior destaque após recentes discussões judiciais e administrativas, nas quais algumas distribuições foram caracterizadas não como legítimos atos societários, mas como verdadeira transferência patrimonial, com enquadramento semelhante a doações.

Fragilidade da estrutura societária

Quando não há justificativa negocial clara para a distribuição desproporcional, a própria coesão societária pode ser comprometida. Sócios majoritários que deliberam repassar parcela excessiva dos resultados a minoritários, sem respaldo em contrapartidas objetivas, acabam desvirtuando a lógica da proporcionalidade no retorno do investimento. Esse cenário pode alimentar conflitos internos, alegações de abuso de poder de controle e questionamentos quanto à higidez das deliberações sociais.

Risco de contaminação tributária e societária

Do ponto de vista prático, a falta de fundamentação adequada pode abrir espaço para que órgãos fiscais interpretem a operação como liberalidade, caracterizando a distribuição como doação. Além da incidência de ITCMD, esse enquadramento traz repercussões societárias relevantes:

a) possibilidade de responsabilização pessoal de administradores e sócios controladores pela deliberação;

b) nulidade ou anulação de assembleias e reuniões sociais;

c) criação de precedentes que afetam a previsibilidade da governança societária.

Necessidade de justificativa negocial

Para que a distribuição desproporcional seja preservada como ato legítimo da sociedade, é fundamental que ela esteja associada a uma razão negocial concreta. Entre os exemplos que podem sustentar a operação estão:

a) remuneração diferenciada por expertise técnica ou dedicação exclusiva de um sócio;

b) compensação por riscos operacionais assumidos individualmente;

c) utilização de ativos intangíveis aportados por apenas um dos sócios (marca, tecnologia, rede de clientes).

A ausência de documentação que evidencie essas justificativas expõe a sociedade e seus integrantes a riscos de litígio, tanto no âmbito societário quanto perante o Fisco.

Repercussões em Holdings familiares e estruturas patrimoniais

O tema assume especial relevância em sociedades limitadas utilizadas como holdings patrimoniais ou familiares. Nessas estruturas, a distribuição desproporcional de lucros é frequentemente adotada como mecanismo de planejamento sucessório ou de reorganização patrimonial. Contudo, quando desprovida de justificativas robustas, essa prática pode ser desconstituída judicialmente e comprometer não apenas a segurança jurídica do grupo, mas também a credibilidade da estrutura perante herdeiros, beneficiários e terceiros.

A distribuição desproporcional de lucros, embora prevista e permitida pelo Código Civil, não deve ser tratada como instrumento automático de reorganização interna ou de favorecimento de sócios. Do ponto de vista societário, ela exige cautela redobrada, alinhamento entre os sócios e documentação que demonstre claramente o motivo negocial da deliberação. Sem esses cuidados, o que se apresenta como alternativa legítima de gestão pode se transformar em fonte de litígio, riscos tributários e desequilíbrios na própria estrutura societária.

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